Ecos do Passado

O teto sobre a minha cabeça é um tantinho barulhento. Os sons são como ecos do passado. Normalmente os vizinhos reclamam dos barulhos no apartamento de cima. Mas ao nosso redor está tudo tão quieto que eu até gosto do barulho.

Durante muito tempo morei neste prédio e não havia ruídos. Fui uma das primeiras a chegar. Fiz a reforma, arranquei o piso e derrubei algumas paredes com tranquilidade. Eles chegaram depois, bem depois e seguiram o mesmo roteiro clássico. Felizmente fizeram suas quebradeiras na época em que minha criança ia para a escola e no trabalho a minha presença física era requerida das nove às seis. Em um tempo quando a gente passava a maior parte do dia fora de casa.

Nas noites frias de inverno eu desligo o ar-condicionado e deixo a janela do quarto de dormir aberta. Gosto dos barulhos longínquos dos carros cortando a madrugada. Eles me lembram o barulho do mar. Não tem nada a ver, eu sei. Depois que o meu pequeno nasceu desenvolvi ouvidos supersônicos capazes de detectar choros de bebê a quilômetros de distância. Há não muito tempo, o choro era estava no andar de cima. Acordei algumas vezes com aquele choro miúdo, lembrei que não tenho mais bebê em casa, sorri, virei para o outro lado e voltei a dormir. Agora o choro sumiu e escuto passos e pulos pela casa. Como criaturas tão pequenas conseguem pisar tão pesado? E por que diabos elas aprendem a correr antes de andar?

Ele, ou ela, acorda cedo. Escuto os passos saindo do quarto de criança e percorrendo o corredor até o meio da suíte master. Então, o silêncio. Eu sei bem o que acontece nessa hora. Um bebê que recém aprendeu a andar pula na cama dos pais, sem rede de proteção, com o maior sorriso do mundo. Os pais acordam entre o susto e o mau-humor, mas não resistem àquela criaturinha fofa. Por um minuto sinto saudades. Lembro que o meu pequeno não é mais um bebê. Sei que ele despertou quando escuto o barulho da tv ligada nos desenhos animados. Eu me levanto para preparar o café e penso em esconder o controle-remoto na minha mesa de cabeceira.  Caminho até a sala ainda sonolenta e ele me cumprimenta com o maior sorriso do mundo: “Bom dia, flor do dia”.

Foto por Tatiana Syrikova em Pexels.com

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